O Código de Processo Civil de 2015 (CPC) alterou a antiga legislação para criar a chamada ação de produção antecipada de provas (PAP), instrumento processual que visa a obtenção prévia de elementos probatórios, ainda que sua utilização prática permaneça pouco explorada.
A PAP é ação autônoma para produção de provas, prevista no artigo 381, do CPC, e cabível em três hipóteses:
     

  • (1) urgência na produção probatória, havendo receio de que a verificação dos fatos se torne impossível ou muito difícil em momento posterior;
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  • (2) possibilidade de acordo ou outro meio de solução de conflito extrajudicial a partir da prova produzida;
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  • (3) e/ou utilidade da produção probatória para motivar ou para desmotivar a instauração de futuro processo judicial [1].
O inciso I se resume a uma medida cautelar, já prevista na legislação processual anterior. Já os incisos II e III apresentam interessante inovação da lei. A intenção do legislador parece ter sido privilegiar a autocomposição e a economia processual, em consonância com a lógica principiológica do CPC/15, que valoriza os métodos alternativos de resolução de conflitos e o descongestionamento do Poder Judiciário.
Referido procedimento de jurisdição voluntária permite a produção de qualquer espécie de prova prevista em lei, como a exibição de documentos, prova pericial, prova testemunhal, entre outros. A PAP, então, se revela instrumento autônomo de produção de prova em procedimento mais célere e menos oneroso, uma vez que não é cabível defesa, recurso, manifestação do juízo sobre o mérito do caso, além de não incidirem, em regra, honorários sucumbenciais.
Possibilidade de propositura de PAP
Questão por muitos anos controversa, entretanto, era a possibilidade de propositura de PAP caso houvesse cláusula compromissória de arbitragem. Ou seja, quem seria competente para processar a ação autônoma de produção probatória: o Judiciário ou a câmara arbitral convencionada pelas partes?
Por um lado, a PAP constitui procedimento de jurisdição voluntária, que não possui caráter litigioso e que não possuía expressa previsão legal nos regulamentos das câmaras arbitrais. De outro, a livre opção das partes pela resolução de conflitos pela via arbitral não poderia simplesmente ser ignorada.
Em 2023, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento jurisprudencial de que o Judiciário apenas seria competente para processar a PAP na hipótese do inciso I, ou seja, caso houvesse urgência da produção probatória. Nos termos do voto do ministro Marco Aurélio Belllizze, “ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do artigo 22-A da Lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão — até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do artigo 381 do CPC/2015 — deve ser submetida ao Tribunal arbitral” (STJ; Recurso Especial nº 2023615; 3ª Turma; relator: ministro Marco Aurélio Belizze; data de julgamento: 14/03/2023; data de publicação: 20/3/2023).
A partir de então, as principais câmaras arbitrais passaram a prever em seus regulamentos ou resoluções a previsão de procedimento de produção antecipada de prova. O Centro de Arbitragem e Mediação da Amcham Brasil (CAM Amcham) publicou a Resolução Administrativa 2/23 [2], a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp (CMA Ciesp/Fiesp) publicou a Resolução 14/24 [3]. Mais recentemente, o Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá (CAM-CCBC) publicou a Norma Complementar 06/2025 [4] e o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) passou a prever expressamente o procedimento da PAP em seu Regulamento de Arbitragem [5].
Instauração de PAP perante o Judiciário
Ocorre que, apesar do entendimento pacífico do STJ e previsão das câmaras arbitrais, a jurisprudência recente revela uma insistência das partes pela instauração de PAPs perante o Poder Judiciário, ainda que haja compromisso arbitral entre as partes, sob o fundamento de suposta urgência.
Desse modo, diversas ações de PAP são fundamentadas em alegada medida cautelar, com aplicação do artigo 381, inciso I, do CPC, para justificar a competência da jurisdição estatal. Contudo, encontram óbice em seu processamento quando são extintas sem resolução do mérito por ausência de risco de perecimento do direito que permita a intervenção da jurisdição estatal.
Tal tendência revela possível preferência pelo Judiciário em detrimento à câmara arbitral convencionada e resistência das partes em observar integralmente os efeitos da cláusula compromissória. E a insistência na competência judicial se justifica, de certo modo. Ora, se a parte não tem provas suficientes para requerer a instauração de um procedimento arbitral, ou sequer tem certeza de que a prova a ser produzida fortalecerá ou enfraquecerá seu pleito, não parece razoável despender elevados recursos econômicos na via arbitral se a via judicial seria muito menos onerosa e, possivelmente, até mais célere.
Entretanto, se a parte voluntariamente avençou a convenção de arbitragem, não pode escolher a dedo em quais situações a cláusula compromissória se aplica. Não havendo comprovada urgência na produção da prova, não é possível se acorrer ao Judiciário, devendo ser observado o procedimento determinado pela câmara arbitral escolhida.
Diante do entendimento consolidado pelo STJ e da recente adaptação dos regulamentos arbitrais, é imperativo que as partes observem com rigor os limites da jurisdição estatal  com relação à produção antecipada de provas. O uso estratégico da PAP deve respeitar a autonomia da vontade das partes e a lógica de cooperação entre arbitragem e Estado, sob pena de se comprometer a eficiência e a segurança jurídica do procedimento.
[1] Art 381, do CPC: I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
[2] Disponível aqui
[3] Disponível aqui
[4] Disponível aqui
[5] Disponível aqui
Por Beatriz Tokechi Amaral, advogada da área societária do escritório Candido Martins Cukier Advogados.
Fonte: Conjur – 6 de agosto de 2025, 17h18
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